Relato da visita ao projecto ALVELAL
Nos dias 12 a 14 de Janeiro de 2023 foi realizada a quarta visita do projecto Pastagens Regenerativas, desta vez ao projecto ALVELAL, localizado no altiplano da região de Granada, Almeria e Múrcia. Este projecto deve o seu nome aos três municípios de Altiplano, Los Vélez e Alto Almanzora, municípios em torno do qual nasceu o sonho de 1 milhão de hectares de solos degradados. Este projecto foi criado em 2014 pela associação Alvelal (https://www.alvelal.net/), composta por agricultores, proprietários e empresários, que se uniram com o objectivo de “promover iniciativas de restauração da paisagem e apoiar o desenvolvimento empresarial e agrícola”. Cerca de 9 anos após a sua fundação fomos visita-los, por escolha dos agricultores do grupos de investigação, para conhecer aspectos inspiradores como:
i) a implementação do keyline e desenho hidrológico da paisagem, em pastagens e cereais, numa região com precipitação anual entre 200mm a 450mm, com clima semi-árido frio;
ii) a criação da Almendrehesa, uma espécie de Dehesa /Montado, com as amendoeiras como árvores dominantes;
iii) o desenvolvimento de um ambicioso projecto integrado de desenvolvimento e restauração da paisagem, que vai além da gestão de cada propriedade, empresa ou município;
iv) A valorização e transformação de produtos agrícolas colectivos e a incubação de empresas e cooperativas para o desenvolvimento integrado.
v) A utilização da arte na paisagem (Land Art) como parte do desenvolvimento regenerativo;
Keyline e desenho hidrológico da paisagem
Na nossa viagem a Alvelal, visitámos a quinta demonstrativa de La Junquera (https://www.lajunquera.com/) e a quinta Cortijo El Ciruelo (gerida por Santiaga Sanchez Portel, uma das fundadoras de Alvelal e Alvelal Foods).
Em La Junquera observámos o cultivo de cereais em Keyline. Este cultivo é realizado em keyline mas não com o arado de Yeomans. As linhas de cultivo são paralelas às valas e cômoro e o trigo utilizado é uma variedade tradicional local, resistente à seca, apesar de uma baixa produção por hectare.
De acordo com Alfonso Guzmán, gestor e herdeiro, a produção deste trigo em keyline com valas e cômoro apresenta melhores resultados do que quando cultivado em linhas com outra orientação, porque desta forma elimina-se a erosão que antes era um problema enorme.
Nas valas e cômoro foram plantadas algumas amendoeiras de sequeiro para aproveitar a água capturada por estas valas.
Em La Junquera observámos também a plantação de amendoeiras de sequeiro em keyline, mas desta vez sem vala e cômoro. A preparação do solo foi feita com ripper, deixando pequenas faixas na entrelinha sem mobilização e para controlar a erosão.
Segundo Alfonso Guzmán, fizeram no local várias experiências, com e sem mobilização na linha, tendo obtido com esta técnica bons e melhores resultados. A aplicação do ripper é feita para facilitar a expansão das raízes, que encontram no solo rochoso, argiloso e compactado fortes obstáculos à sua propagação.
Além da mobilização na preparação do terreno, em La Junquera continuam a mobilizar à superfície para controlo de infestantes e para controlo de humidade (mulch seco para cortar a capilaridade do solo). Apesar de esta prática não favorecer a criação de solo e , pelo contrário, favorecer a oxidação da matéria orgânica, exposta ao sol, Alfonso Guzmán refere que continuam a aplica-la por não terem conseguido ainda encontrar uma melhor prática acessível económica e logisticamente, que obtenha bons resultados para o amendoal de sequeiro, no contexto da reduzida precipitação anual (cerca de 250mm-350mm).
O Maneio Holístico ou pastoreio regenerativo dos animais, nomeadamente do gado ovino foi sugerido pelos participantes do grupo de investigação, como forma de gerir as infestantes e fertilizar o terreno. A equipa da La Junquera respondeu que no futuro gostariam de enveredar pelo caminho do pastoreio regenerativo mas que ainda não foram capazes de implementar esta prática, estando ainda nos primeiros anos do seu percurso na agricultura regenerativa.
A construção de charcas é uma das práticas regenerativas posta em prática em La Junquera. Neste local construíram três charcas consecutivas, localizadas imediatamente umas às outras. A primeira charca, não sendo impermeável, infiltra para a segunda e seca, sendo que a segunda charca infiltra também para a terceira.
A terceira charca apresenta um nível de água quase permanente, límpida, com uma qualidade de água bastante elevada no que diz respeito à ausência de sedimentos em suspensão. A quantidade de água não é no entanto suficiente para a rega, constituindo esta superfície de água um suporte à regeneração da biodiversidade.
As quintas que visitámos, tal como as restantes propriedades/explorações agrícolas e agro-florestais apoiadas e promovidas pelo projecto Alvelal seguem o princípio dos 4 Retornos e 3 Zonas proposto e apoiado por CommonLand (https://commonland.com/).
4 Retornos:
- Retorno da Inspiração
- Retorno do capital Social
- Retorno do capital Natural
- Retorno do capital Financeiro
3 Zonas:
- Zona Natural
- Zona Mista
- Zona Económica
Almendrehesa
Na quinta de Cortijo el Ciruelo, gerida por Santiaga, observámos grandes extensões de amendoal de sequeiro, a maior parte da variedade Laurán, embora enxertadas num cavalo rústico que propicia esta capacidade de crescimento em sequeiro, numa região semiárida.
É interessante notar que esta região do Altiplano tem já cerca de 50mil hectares de amendoal de sequeiro certificado como biológico. Ao viajarmos de carro pudemos observar a extensão desta cultura embora toda a paisagem apresente um solo permanentemente gradado e exposto ao sol, em que surpreende como é possível combater e gerir pragas de forma integradas em modo biológico.
Na quinta de Santiaga Sanchez existem porém melhores práticas. O solo ainda é mobilizado mas esta mobilização é feita em keyline, curva de nível ou o mais aproximado possível. Nas entrelinhas crescem pastagens anuais que são pastoreadas pelo gado.
Na fotografia abaixo é possível comparar do lado esquerdo o pomar de Santiaga, onde estas práticas são implementadas, com um pomar do vizinho, que é mais antigo, por isso apresenta árvores maiores, mas a sua taxa de crescimento é segundo Santiaga, visivelmente menor.
A plantação das árvores e a manutenção das pequenas árvores é feita de forma compatível com as ovelhas graças ao pastor, sempre presente, bem como graças ao borrifar de um chá de excremento de cão pastor (com 48horas) no caule e folhas das amendoeiras. As ovelhas treinadas, são conduzidas em largas parcelas, não sendo porém aplicadas todas as regras e práticas do pastoreio rotativo não selectivo ou do maneio holístico, nomeadamente as curtas rotações. Tal como em Alfonso Guzmán, Santiaga Sanchez tem vontade de um dia aplicar o maneio holístico e pastoreio regenerativo e então tem uma Almendrehesa de pastos permanentes, como o ideal de um Montado e Dehesa sustentáveis.
Até lá e entretanto, os técnicos de Alvelal, como Miguel Ángel Gómez, monitorizam e avaliam as técnicas de agricultura regenerativa implementadas pelos agricultores, para assegurar que esta transição não é feita à custa de uma perda de rendimento mas antes pelo contrário.
Algumas técnicas como na foto, a inclusão de mais espécies na linha, podem originar uma perda de rendimento do amendoal mas trazer outros benefícios económicos, naturais, sociais ou inspiracionais.
ALVELAL - projecto de 4 retornos
A associação e projecto de Alvelal apresentam hoje em dia um elevado número de sócios, empresas associadas e colaboradores (https://www.alvelal.net/empresas-asociadas ). A razão deste sucesso terá que ver com a quantidade e qualidade de serviços que têm prestado no apoio à comercialização e valorização dos produtos de agricultura regenerativa da região de intervenção.
No seu portal da transparência é possível não só obter esta informação como encontrar o protocolo de agricultura regenerativa, que fundos são atribuídos aos agricultores ou outros sócios para investimento no capital natural ou no investimento na melhoria da qualidade da produção, quais as normas de comunicação para valorizar o seu produto ou inúmeros dados da entidade (https://www.alvelal.net/portaldetransparencia ).
Para a nossa visita, Alvelal preparou um documento de apresentação específico que partilhamos, com uma apresentação dos projectos que visitámos: https://drive.google.com/file/d/1Wdkgce1fMWpfX6i6nSQtPw49QC2LhZhd/view?usp=share_link
Visitamos a sede da Almendrehesa (https://almendrehesa.es/ ), num armazém de apoio à comercialização das amêndoas de sequeiro e ficámos a saber que os agricultores só podem vender através do Almendrehesa que tiverem um conjunto de práticas de agricultura sustentável e regenerativa. Não são todos iguais nem o produto resultante é todo igual pelo que cada produtor é pago um valor diferente de acordo com um conjunto de factores.
Por fim visitámos o Alvelal 8000, um projecto social e de arte na paisagem, em que uma gigante escultura viva, apenas visível plenamente do céu, foi implementada por uma associação de apoio a pessoas com deficiência. Esta escultura apresenta um símbolo da região, “El Indalo”, uma figura do neolítico, representando assim uma ligação através do tempo na paisagem.
Os símbolos comunicam de forma rápida um conjunto de coisas, podem ser valores, uma missão, uma visão, uma convicção. Quando se faz arte na paisagem, podemos pensar que desenho ou símbolo podemos colocar na paisagem e o que queremos que ele transmita para todos aqueles que passam e param para reflectir …
Texto e fotografias por André Vizinho